quarta-feira, dezembro 01, 2010

SENHORES IMPLACÁVEIS

Existe um tema polêmico sempre presente no meu trabalho que me causa enormes problemas, desentendimentos, críticas, brigas, pressões e que me irrita profundamente.



O TEMPO


Aliás, não o tempo e sim seus senhores, os treinadores, cavaleiros e proprietários de cavalos.


O assunto tempo não surge logo assim que me contratam...na hora do desespero, todo o proprietário e treinador é calmíssimo, e está nas minhas mãos. Aí é "Tu que manda" "A snhóra que manda dotôra!" ou o mentiroso "Não tenho pressa!". Ah mas espera um pouquinho só, alguns dias, até esquecerem do trauma do cavalo ou da loucura que carrega o potro xucro...


Fico pensando... como é que eu resolvo isso? Como explico que só existe um tempo certo, o tempo de cada cavalo. E que minha vida gira em torno de fazer as coisas respeitando esse tempo e tentando enxergar o mais nítidamente possível quanto isso é em minutos, horas, dias, meses e anos?


O que é exatamente demorado? Quanto tempo é tempo demais?
Vejamos...


Leva-se quanto tempo para destruir um cavalo? Tirar toda a sua moral e confiança a ponto dele perder totalmente o seu controle e nós o dele...e torná-lo extremamente perigoso?


Quanto tempo eu tenho para iniciar um potro? Ensiná-lo a correr apenas quando as portas abrirem, a correr como se sua vida dependesse disso, embora seja desnecessário ensinar isso porque ele foi inventado para fazer melhor do que ninguém.
Quanto tempo eu tenho para ensina-lo a não correr do ferreiro, do cavaleiro, das luzes, do medo, do susto, da dor...
Quanto tempo eu tenho para tentar recuperar tudo aquilo que foi retirado dele abaixo de violencia e desconhecimento do que aterroriza e do que estimula um cavalo?


Constantemente somos (eu e cavalo) acossados por proprietários, treinadores e pilotos que, depois que Ponciopilateiam, passam a ser os juizes e controladores do que é tempo demais ou de menos...
É frustrante muitas vezes eu não conseguir trabalhar sem pressa, para poder fazer as coisas tão rapidamente quanto eu sei que é possível! Tem horas, especialmente dias como hoje, que dá vontade de parar. Já que não posso com o tempo, pelo menos que eu não tenha que lutar contra os senhores.


É preciso ir devagar para chegarmos rápido a algum lugar, é preciso ter o dia inteiro para levar apenas 15min para se fazer algo. É preciso fazer bem, fazer certo que o rápido segue depois. Com cavalos, só tempos controle sobre aquilo que ainda não aconteceu...


Acontece frequentemente depois de algum tempo que trabalho um cavalo, quando ele começa a ficar confiante e mais seguro, eu fico muuuito lerda aos olhos dos donos do tempo. Voce já reparou que no transito todos aqueles que andam mais devagar do que voce são uns abobados, manetas e que todos aqueles que passam voando por cima do seu carro são uns assassinos e boçais? Pois é....assim como a velocidade, o tempo é relativo. Pelo menos até o próximo sinal vermelho, ou o próximo cavalo enlouquecido no partidouro, disparando ou quebrado pela imprudencia dos acelerados descerebrados.


A maior dificuldade que encontro, é que não posso mostrar o mesmo animal em duas situações diferentes, com pressa e sem pressa. Sendo que na minha experiencia, via de regra, com pressa = demorado, sem pressa = rápido.


Quanto absurdo já vi acontecer com cavalos sob o pretexto da falta de tempo. Quanto tempo e quanto cavalo bom já se perdeu e seguirá se perdendo com isso. Mas como tempo é relativo, e a memória, fraca, quem aprende? A pressa é burra!


Lembram da Dudosa? Potra traumatizada que passou um ano sem estrear porque enlouqueceu no partidouro? Estivemos uns poucos meses trabalhando juntas. Olhando agora para trás, o tempo voou, mas lembro que naquela época de incerteza, que as coisas pareciam lentas. Para mim, levou o tempo necessário, o tempo dela, para outros (principalmente aqueles sentados olhando eu trabalhar) pareceu uma eternidade.


Pois é. Não há mais tempo para a Dudosa. Ela não poderá mais voar. Morreu em Maroñas, Uruguai neste domingo.


Fica em paz Dudosa. Toma teu tempo.
Não há mais ninguém com pressa ao teu redor...

Um comentário:

Flávia disse...

Eu lamento profundamente cada pessoa que lida com cavalos e não gosta deles.

Desde o carroceiro (sabes bem)que tem o cavalo porque precisa até o endinheirado que tem por esporte. Qualquer um q queira apenas receber, que só aprendeu a usar, o humano parasita.

Pq essa gente que gosta simplesmente de correr não vai correr de kart, montar quebra-cabeças e treinar pra ser gente boa?
Ou treinar pra compreender cavalos, tentar fazer o certo, melhorar o nível, virar profissional?

Pode ser em corrida, salto, adestramento, polo, nas ruas, onde tem cavalo tem alguém q nada sabe e nada quer saber, alguém q seria mais útil e gentil se nem saisse de casa.

Levanta a cabeça, Denise, seja forte, pois a vida não é justa mesmo. Mas há muitos cavalos por aí q precisam de ti e muitas pessoas q querem aprender. Nem tudo está perdido e nem todos os destinos precisam ser como o da pobre Dudosa.

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