O começo do fim de uma jornada...

O meu trabalho com a potra traumatizada no hipódromo está chegando ao fim. Como eu sei disso?

É simples...ela está ficando cada vez mais tranqüila, os proprietários cada vez mais nervosos e eu cada vez mais idiota, precisando mais de ajuda, palpites, dicas, opiniões e orientação.

Percebi isso também pelo número de expectadores que apareceram para assistir nosso trabalho no último sábado! Quando eu fui informada que ela estava inscrita para correr na próxima quinta e isso acontece pela terceira vez, sendo que em nenhuma das vezes foi idéia minha...muito menos da potra.Tá uma bagunça, um diz-que-diz-que, todo mundo decide, cada um corre prá um lado... tá inscrita para correr! Credo meus patrõezinhos! São vários proprietários, seilá, advogados, empresários, médicos, professores...que como num passe de mágica passaram a entender profundamente de comportamento equino. Calma! Agora tá todo mundo querendo que ela corra, me dando conselhos, com pressa! Onde voces estavam quando eu comecei a trabalhar? Ahhh tá bom....

É incrível como é frequente acontecer isso. No início, com a minha paciente se atirando perigosamente prá todos os lados, surtando com o menor barulho ou movimento, era só eu e ela (e o terrível Partidor Papão). As informações eram poucas, e as mais confiáveis vinham da minha companheira de guerra, Dudosa..

Aí o PARTIDOURO PAPÃO, também conhecido como A GAIOLA DAS LOUCAS (E LOUCOS)

Acreditem, ela caiu e ai embaixo...

     Estreitinho né hein...dava medo até em mim (motivos óbvios...)

                                                   

Nossa, foram muitas noites que eu dormi mal, frustrada porque eu não conseguia fazer melhor, porque o dia foi muito duro prá ela e eu não conseguia enxergar melhor por onde melhorar a sua tarefa!

Imaginem! Meu trabalho era fazer com que ela superasse o trauma de ter se arrebentado toda numa gaiola estreitíssima  e várias vezes ter apanhado muito para entrar lá novamente. Que pânico ela tinha, a primeira vez que a vi, ela me lembrou aqueles veteranos de guerra dos filmes, que apagam cigarros nos braços... e o maluca total. O pior é que prá muitos ali esse pavor era interpretado de outra forma, tudo o que eles enxergavam ai era desrespeito, birra, temperamento ruim. Ela foi julgada e condenada por muitos profissionais do turfe!

Putz que teve horas que eu duvidei viu!? Eu ficava ollhando pra maluca e pensava, como posso pedir para ela fazer algo tão doído assim? Que vergonha me dava dela pelo que a minha espécie a tinha feito passar. Apanhou, se quebrou, se machucou por dentro e por fora, sem entender nada, sem ter escolhido nada disso, sem ter participado de nenhuma decisão! Só um cavalo mesmo para superar tanto...meu respeito e admiração por ela é tão grande por ela que chega a doer!

Hoje ela entra no partidouro, ainda emburrada é verdade, rabo girando, como me dizendo, eu preferia estar em outro lugar...mas ai ela para na frente da grade, levanta sua belo pescoço, aponta as orelhas prá frente e olha longe... longe...lá pro final da curva . Nossa nessa hora ela fica gigante, poderosa!! Parece que tudo na volta fica parado, é uma visão magnífica! Ela pode tudo! Ave  Dudosa!  Valeu cada bolha da minha mão, a dor no joelho, nas costas, nos ouvidos de ter que ouvir as besteiras, os olhares debochados ou irritados, a pressão, a insonia....ah se valeu!!!! Que sensação gente...nossa não consigo imaginar um lugar melhor prá estar do que ali, do lado dela, vendo o resultado de tudo o que a gente construiu juntas. A força dessa união literalmente ultrapassa os limites!  Rainha Dudosa! Por mim...todo mundo deveria baixar a cabeça e fazer reverência quando ela passasse com aquele corpão negro e esbelto (ai que inveja...).

Meu trabalho está chegando ao fim....mas agora está chegando o mais complicado...me afastar...

Ai como é difícil isso...Só me serve de consolo saber que ficou um pouco mais fácil prá ela...

Na foto, Dudosa, joquei Cristiano e a Muié!